Dica de Cultura


Vale a pena ver até o dia 22 de fevereiro de 2010 a exposição Da Estrutura ao Tempo de Hélio Oiticica.
Da Estrutura ao Tempo é a primeira individual de Hélio Oiticica depois que um trágico incêndio destruiu parte significativa de sua produção, no último dia 16 de outubro. Mostra 18 obras (14 desenhos pintados a guache e quatro relevos), da série "Metaesquemas", do início da carreira do artista. Nelas, a linguagem é do abstracionismo neoconcreto, movimento carioca que abriu espaço para as experimentações posteriores do artista, incluindo a série "Penetráveis” (instalações) e os famosos parangolés (espécie de capas coloridas, arte para ser vestida).
Uma questão clássica nos estudos da homocultura é se toda a produção de um artista gay é, necessariamente, homoerótica. Para o observador atento a esse debate, é provavelmente essa a pergunta que irá emergir ao percorrer a exposição Hélio Oiticica – Da Estrutura ao Tempo, no Instituto de Arte Contemporânea, em São Paulo.
Os relevos assinalam formas e cores em suportes tridimensionais, cuja percepção difere de acordo com a posição do observador. Antecipa as instalações e os ambientes criados para fazer o visitante entrar de corpo inteiro no interior da obra. Nada, porém, revela o caráter apaixonado de "Seja marginal, seja herói", homenagem de Oiticica a um de seus cúmplices e amante, o bandido carioca Cara de Cavalo.

Homoerótica ou não, Da Estrutura ao Tempo faz pensar e é um exercício refinado de olhar. Busca a transformação via formas e cores que não necessariamente remetem a uma narrativa ou a algum significado. Bom para deixar emergir sensações mais puras e contemplativas, mas nem por isso menos revolucionária.


Cara de cavalo foi um bandido da década de 60, tinha ligações com o jogo do bicho e atuava principalmente na região da Grande Tijuca. Ele começou garoto realizando pequenos furtos e vendendo maconha na Central do Brasil. Depois se tornou cafetão na zona do meretrício. Apesar da fama, Cara de Cavalo não tinha em seu currículo ações espetaculares ou assassinatos cruéis. Era bem diferente dos bandidos figurões de hoje em dia. Ganhava dinheiro fácil percorrendo os pontos do bicho e recolhendo sua comissão. Isso até 1964, quando matou com um tiro de sua Colt 45 o temido detetive de origem francesa Milton de Oliveira Le Cocq, despertando a ira dos policiais da época. Cara de Cavalo foi então caçado implacavelmente durante quatro meses, entre maio e agosto de 64. Cerca de 2 mil homens de todas as delegacias da cidade participaram da operação. Os detalhes da perseguição foram acompanhados diariamente pela imprensa carioca.

Cara de Cavalo tinha apenas 23 anos quando foi morto, com mais de cem tiros, no seu esconderijo perto de Cabo Frio, na estrada para Búzios. Entre os policiais que presenciaram os últimos momentos do bandido estavam Hélio Vígio, ex-diretor da Divisão Anti-Seqüestro, e Sivuca (depois eleito deputado estadual com o lema "bandido bom é bandido morto"). Segundo o laudo pericial da época, o bandido foi atingido por 52 tiros, sendo 25 somente na região do estômago. O corpo de Cara de Cavalo foi coberto com um cartaz com o símbolo da caveira com duas tíbias cruzadas e a inscrição EM (leia-se: Esquadrão da Morte).

Sobre Hélio para quem não sabe...


Hélio Oiticica é um dos mais importantes artistas brasileiros das décadas de 50 em diante. Participou do movimento neoconcretista ao lado de nomes como Lígia Clark, Amílcar de Castro e Ferreira Gullar.

Nascido no Rio de Janeiro, em 1937, Oiticica fez parte de seus estudos e teve obras expostas em âmbito internacional, com a morte de cara de cavalo, usou a marginalidade social, a repressão política e a revolta individual como tema de suas obras, homenageou o bandido com dois de seus trabalhos mais polêmicos. O primeiro foi uma bólide (caixa de madeira, plástico ou vidro) com uma foto do bandido caído numa poça de sangue. Depois, criou um estandarte com a reprodução da foto e a inscrição: “Seja marginal, seja herói”.

Cara de Cavalo e Hélio Oiticica freqüentaram juntas rodas de samba em favelas cariocas. Sobre o amigo, Oiticica escreveu: "O crime é a busca desesperada da felicidade autêntica, em contraposição aos falsos valores sociais".
De 1970 a 1978, Oiticica viveu em Nova York, onde participou da mostra Information, realizada pelo MoMA (Museu de Arte Moderna).

Em 1981, um ano após a sua morte - em 22 de março de 1980 -, foi criado no Rio de Janeiro o Projeto Hélio Oiticica, para preservar a obra do artista. A Secretaria municipal de Cultura do Rio criou o Centro de Artes Hélio Oiticica em 1996. Além de obras do acervo de Oiticica, o espaço promove exposições temporárias de artistas nacionais e estrangeiros.


Local: Instituto de Arte Contemporânea. Rua Maria Antônia, 258 (Centro Universitário Maria Antônia)
Horários: Terça a domingo, das 12h às 17h
Informações pelo tel.: (11) 3255-2009
Entrada franca

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